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Crônica: A Última Entrevista, de Marcos Rey

Seu sonho sempre foi ser repórter, um grande repórter, fosse qual fosse o veículo. Um profissional renomado graças a entrevistas sensacionais, dessas que exigem coragem, presença de espírito, combatividade, cara-de-pau, fôlego, e a mãozinha do santo de sua devoção. Via-se, por exemplo, trilhando uma planície deserta quando surgia no céu, brilhando – e imprevistamente aterrizava – olhem, um disco voador! Com a plaquinha: made in Marte. Mal aparecesse o primeiro homenzinho verde, ele estaria lá, expedito, com seu microfone ou caderno de notas:

– Boas-vindas, seu marciano. O que está sentindo ao descer em nosso planeta? Veio de visita ou está de mudança? O senhor se casaria com uma terráquea? Viajou às próprias custas ou tem um patrocinador? Verdade que em Marte só rico dispõe de tubo de oxigênio?

Quantas perguntas interessantes faria a um extraterrestre! Tantas quanto teria feito se nascido noutros períodos da História. Imaginava-se no começo do século, em Paris, quando milhares de pessoas se concentraram numa praça para ver um estrangeiro elegante, usando estranho chapéu, tentar voar num frágil, aparelho.

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– “Seo” Dumont, caso não morra, quais serão suas palavras após ter conseguido efetuar o primeiro voo do homem?

– Por favor, deixemos para depois. Adeus! Adeus!

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– E se cair num galinheiro e quebrar as pernas, o que dirá?

– Com licença, vou indo.

– Bem, entre então nessa geringonça. Bacana o sue chapéu… Très chic. Mas experimentou passar ele a ferro?

Se lerem a História com atenção, verão que nos seus grandes momentos sempre faltou um bom repórter. O jornalista aludido seria talvez a pessoa certa para entrevistar o genial Van Gogh, ao qual ninguém em seu tempo deu a menor bola. Uma injustiça.

– O que sente um pintor que nunca vendeu um único quadro? Já tentou oferecer algum de presente? Por que não abandona seu estilo e imita os clássicos? Até eu compraria. Quanto a ter amputado a orelha com a navalha, pode ser uma boa jogada de marketing,  mas um pouco exagerada, não acha? Foi ideia sua ou de alguma agência de publicidade?

Apesar de sua indiscutível vocação para a reportagem, ele, como qualquer profissional, teve de aprender muita coisa. Entrevistas têm mais sabor quando não escolhem hora e lugar, surpreendendo o público e o próprio entrevistado. Isso ele pôs na cabeça. Algumas, no entanto, oferecem perigo. Lembram do caso do fugitivo de uma das penitenciárias que se refugiou, armado de uma metralhadora, na torre de uma igreja? Pois foi ele o repórter que burlou o cerco formado por 80 policiais, subiu as escadas e aproximou-se do delinquente com o microfone:

– O que sente um homem que mata cinco guardas e fere onze para gozar a liberdade? Não precisa se precipitar, responda calmamente.

– Desça, senão atiro.

– Algo me diz que está um pouco nervoso. Mudemos de assunto. Sabe que esta igreja é das mais antigas de São Paulo? A torre é de uma arquitetura maravilhosa. Escondendo-se aqui, revelou bom gosto. Pode ser circunstância atenuante em seu favor…

– Vou atirar.

– Quer que traga sua mulher?

– Eu matei minha mulher.

– Acidentalmente, suponho.

A entrevista desnorteou o fugitivo, dando oportunidade para os policiais o dominarem. Bela reportagem! Mas a melhor da carreira desse repórter foi a do aviador suicida. Aquele, lembram, que se apossou de um pequeno avião para pilotá-lo até queimar toda a gasolina do tanque. De bronca, com o mundo, queria morrer e mais nada. Não é que nosso jornalista conseguiu penetrar no aparelho e levantar voo  com o referido pirado? A entrevista foi gravada em terra.

– O que sente um aviador que sabe que vai morrer quando acabar a gasolina?

Ganhou o prêmio de reportagem do ano. Seu pai recebeu o troféu por ele. Todo banhado a ouro.

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